Maior erro está em sair comprando novas tecnologias, sem saber como serão usadas e de que maneira podem gerar valor para o negócio
Um estudo recente do BCG (Boston Consulting Group) sobre transformação digital traz algumas surpresas. A maior delas, sem dúvida, é a constatação de que apenas 30% das empresas conseguem realizar a transformação digital de maneira eficiente – atingindo os objetivos desejados e gerando uma mudança de longo prazo. 44% até conseguem criar algum valor, mas por pouco tempo. E 26% dos entrevistados disseram que a digitalização não ajudou a empresa em praticamente nada. Os dados foram levantados com 865 empresas em todo o mundo, incluindo 91 brasileiras.
“Há um erro muito comum entre os empresários, que é confundir transformação digital com transformação de tecnologia”, diz Otávio Dantas, diretor-executivo e sócio do BCG no Brasil. “Veja o caso, por exemplo, de uma empresa que adquiriu tecnologias de big data e machine learning, mas permaneceu exatamente a mesma. Daí você vai falar com eles, o pessoal de TI diz que tem uma Ferrari na garagem, mas ninguém usa. Aí você fala com o CEO, ele diz que não percebeu que aquilo era uma Ferrari. E, mesmo que tivesse percebido, ele nunca dirigiu uma Ferrai, então não saberia como.”
Antes de adquirir uma tecnologia, diz Otávio, é preciso primeiro saber qual o seu objetivo de negócios. E daí entender como o digital pode ajudar a chegar lá. “Tecnologia é meio, não é um fim. Costumo dizer que, para uma transformação digital completa, é preciso 10% de tecnologia, 20% de pessoas e 70% de processos. O sucesso dos novos processos vem do entendimento de como adequar a tecnologia à estratégia do negócio.” Confira a seguir os principais trechos da conversa com o diretor-executivo da BCG.
Quando se pensa em todo o esforço dispendido pelas empresas com a transformação digital, surpreende o fato de que apenas 3 em cada 10 conseguem atingir os resultados desejados. Não é muito pouco?
Sim, é pouco. O curioso é que 80% dos entrevistados dizem que essa mudança é urgente, ainda mais por conta da pandemia. Então a maioria delas tem essa preocupação e está tentando, mas não consegue. Veja bem, qualquer transformação empresarial é difícil de ser implementada. Nós temos um índice chamado RWA, ready, willing and able. Para que a mudança aconteça, precisamos dos três fatores. A empresa tem que estar pronta, isto é, absolutamente certa de que esta é a hora de transformar – para negócios que já duram décadas, nem sempre isso é tão óbvio. Precisa haver disposição, engajamento: o CEO precisa entender que terá de desviar talentos e energia para essa mudança, o que nem sempre acontece. E os funcionários precisam ter aptidão, saber o que estão fazendo. Se essas três exigências não forem cumpridas, não há transformação.
Você disse que um dos erros mais comuns é não ter uma estratégia clara sobre o que se pretende fazer com a tecnologia. Quais são outros tropeços que as empresas cometem?
Depois de definir a estratégia, que deve ser pactuada entre os executivos, com objetivos específicos e tangíveis, é preciso que o CEO assuma o compromisso de patrocinar a mudança. Isso faz toda a diferença: quando o CEO se engaja, o tempo necessário para a transformação é de 12 meses. Quando isso não acontece, 36 meses, no mínimo. Muitas também erram ao definir quem irá conduzir o processo. É preciso identificar os principais talentos da empresa e colocá-los no time digital. Mas a maioria dos líderes não faz isso, porque quer ganhar seu bônus, e para isso precisa mostrar resultados no curto prazo. Ele não vai abrir mão dos seus melhores talentos e apostar em algo que pode demorar anos para gerar valor à empresa. Muitas vezes também falta monitorar os resultados. É fácil as decisões começarem a se desviar e caírem no esquecimento. Para que isso não aconteça, é preciso mexer na estrutura organizacional da empresa. Criar uma área de digitalização, mudar a maneira como os funcionários são premiados. E tudo isso é difícil de fazer.
A pesquisa mostra que empresas de bem de consumo, varejo e e-commerce são as que mais têm sucesso na transformação. Por que acha que isso acontece?
Esser setores estão muito próximos do consumidor, e são profundamente afetados por suas mudanças de comportamento. Então, para atender um cliente cada vez mais digital, foram obrigados a se transformar muito rápido. O varejo já vinha se reinventando há um bom tempo, apostando em omnicalidade. Mas, com a covid, isso virou uma questão de sobrevivência. Quem não mudou saiu do negócio. E quem avançou mais na transformação multiplicou seus lucros, caso de empresas como Mercado Livre, por exemplo.
Chama a atenção também o setor financeiro, com uma taxa de 28% de eficiência na digitalização.
Os bancos brasileiros sempre foram muito sofisticados, até para poder enfrentar diferentes momentos de crise e hiperinflação. Por causa desse legado histórico, a tecnologia passou a ser um fator central para a gestão dessas instituições financeiras. Com a emergência das fintechs, nos últimos cinco anos, instituições financeiras como Itaú e Bradesco sentiram uma pressão brutal para se transformar, e responderam rapidamente, usando diferentes estratégias para concorrer com as nativas digitais.
E porque o setor público continua tão atrasado, com apenas 18% de sucesso?
No serviço público não há concorrência, e portanto não existe ninguém te forçando a se reinventar. Houve grandes avanços na prestação de serviços, como o agendamento para emissão de passaportes, por exemplo. Mas, em outros setores, os entraves são muitos: é preciso fazer uma licitação, os processos são morosos, e há uma enorme aversão ao risco. E nós sabemos que o erro faz parte do modelo operacional das empresas digitais. É preciso errar um pouco para poder acertar rápido, algo que o setor privado sabe muito bem, mas as empresas públicas ignoram.
Por MARISA ADÁN GIL
Fonte do artigo > Época Negócios