Como intraempreendedores sociais estão mudando a relação das pessoas com o seu trabalho
Meu amigo e colega Rodrigo Zeidan é colunista na Folha de S. Paulo e publicou um artigo intitulado “Não ame seu trabalho ou sua carreira, isso é uma armadilha”. Isso foi em janeiro e está me incomodando desde então.
Difícil contestá-lo, dono de uma mente brilhante, aliás. Mas, na última semana, fui convidado para uma discussão no Fetzer Institute, nos Estados Unidos, para discutir um novo fenômeno que chamamos, por enquanto, de “Intraempreendedores Sociais”. Intraempreendedores sociais são colaboradores que transformam desafios sociais e ambientais em oportunidades de negócio. Quer um exemplo?
Taciana Abreu se formou em desenho indústrial na PUC- Rio, e em marketing e branding na ESPM. A maior parte da carreira ela trabalhou numa agência de comunicação que se chama nbs (nome engraçado: no bullshit) que atende clientes como OI, Panasonic, Bob´s e Chevrolet, entre outros. Quando, em 2009, Rio de Janeiro foi selecionado para hospedar as Olimpíadas de 2016, Taciane, junto com os sócios, criou um programa chamado Rio+Rio. A intenção era de engajar clientes da nbs, apoiando a pacificação das comunidades e a consolidação desse processo no longo prazo para sustentar a paz além dos Jogos Olímpicos.
Em Abril de 2012 , o grupo convidou colaboradores, parceiros e jornalistas para visitar a primeira comunidade que recebeu uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) na comunidade Santa Marta. O nome Rio+Rio expressa a intenção de unir os dois Rios – o Rio da classe média alta com o Rio das comunidades.
Para refinar a sua competência em criar impacto social, Taci se engajou na Yunus Social Business no Brasil, que apoia empreendedores que criam empresas para resolver desafios sociais. Na Yunus, ela acompanhou a Insolar – uma empresa que cria projetos de energia solar em comunidades de baixa renda (nasceu na favela da Santa Marta), democratizando acesso a energia limpa, formando mão de obra para um setor crescente e reduzindo emissões.
Armado com toda essa experiência, ela se tornou intraempreendedora de novo ao se afiliar como Diretora de Marketing da FARM, já avisando na contratação que ela quer usar a marca para resolver desafios da moda frente a “fast fashion” e todo os resíduos que isso gera até questões de direitos humanos na cadeia de valor, empoderamento feminino, ou resgatar a cultura brasileira via fashion.
Na discussão sobre este tipo de intraempreendedor no Fetzer Institute, me caiu a ficha: o argumento do Rodrigo Zeidan é baseado em três hipóteses que quero desafiar:
1. Pessoas trabalham principalmente para ganhar dinheiro
2. Empresas querem te prender para sempre e manter seu salário baixo
3. Ócio é muito semelhante ao propósito
Primeiro, Zeidan argumenta que empresas usam a questão do propósito para te pagar menos, te engajar mais e sugar toda sua energia para aumentar o lucro delas. Ele pergunta, com ironia, no final: “quem não quer alguém supermotivado, que vai trabalhar por um salário mais baixo, porque ama o que faz?”
Acredito que o exemplo da Taciana desmancha esta afirmação. Primeiro, numa conversa a Taciana me confessou que ela não trabalharia numa organização na qual ela não pudesse viver o propósito dela, mesmo com um salário significativamente mais alto. Segundo, acho que pessoas que trazem o propósito para o trabalho, ganham o que a academia chama um “salário psicológico”.
No final, um Diretor de Marketing numa empresa de tabaco e na Greenpeace fazem coisas semelhantes, mas têm conversas bem diferentes, se alguém pergunta a eles onde trabalham. Pergunte aos colaboradores de empresas como Vale, Samarco, Odebrecht ou JBS, se eles sabem te responder bem o que significa salário psicológico.
Segundo, um outro amigo intraempreendedor sempre diz: “não acredito na ideia de reter talentos, porque parece que o talento quer ir para um outro patamar e você não deixa a pessoa ir.” Se falamos talentos, precisamos falar de atratividade da organização ou como os americanos sempre conseguem colocar em palavras bonitas e curtas: employer branding. Em vez de te prender, a organização, com a ilusão de propósito, precisa criar um propósito de verdade, autenticamente. E isso só é possível se chegar a cerne do negócio, no que a empresa faz no dia a dia.
Terceiro, Zeidan brinca que se ele não precisasse ganhar dinheiro, teria mais tempo para jogar basquete, ouvir thrash metal e viajar. Concordo que o equilíbrio entre trabalho e ócio é um tema importante no mundo de trabalho, mas não deveríamos confundir ócio com propósito.
Então: você deve amar o que você faz porque te traz propósito? Quero convidar você para experimentar uma nova perspectiva. Em vez de deixar que organizações definam seus propósitos e ofereçam vagas a funcionários e os contratam para servir ao propósito delas, que tal você começar a definir seu propósito e selecionar empresas que estão alinhados com a sua jornada? Caso tope, aqui quatro recomendações se como começar:
1. Faça sua declaração de propósito. Nas aulas do MBA Executivo, recomendamos a metodologia do Ikigai como guia para a reflexão sobre o que pode servir para seu propósito. E para todos que querem aprofundar essa questão – recomendo o livro “The Purpose Economy”, de Aaron Hurst.
2. Olhe para sua organização. O que norteia as decisões da liderança? Só lucro ou tem outros valores envolvidos? Como você se alinha com estes valores? Quais desafios a sua organização coloca para você crescer em direção a seu propósito?
3. Compare isso com o ideal. Os participantes mais jovens nas minhas aulas, que têm interesse em sustentabilidade, frequentemente mencionam organizações como Natura e as Nações Unidas como empregadores ideias. Mas tem muitas outras, como, por exemplo, todas as empresas B que querem solucionar desafios sociais e ambientais via mecanismos de mercado. O que você faria trabalhando numa organização dessas, que você não esta fazendo hoje?
4. Tome atitude e decisões! Se você acredita que seus valores e da empresa batem o suficiente, você pode virar intraempreendedor como Taciana e ajudar sua empresa a criar novos produtos e serviços mais sustentáveis. Se os valores não batem, começe olhar o mercado e avalie oportunidades em organizações que podem levar você mais perto de viver seu propósito no trabalho.
Na minha opinião, chega de se colocar como vítima e reclamar de que as empresas se aproveitam de nós e que só pensam no lucro. Se um número suficiente de pessoas começar a cobrar das empresas um autêntico propósito, desenvolvimento profissional que permita viver seus valores no trabalho e usar a empresa para melhorar questões socioambientais, as empresas vão precisar mudar. Faça sua parte! Você pode ganhar ao menos um salário psicológico maior e, quem sabe, deixar um legado além do apartamento para os filhos.
*Heiko Hosomi Spitzeck é Diretor do Núcleo de Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral